boa noite a todos.
saúdo a todos os presentes, na figura do meu
amigo, o magnífico reitor professor ricardo vieiralves.
ao
pensar sobre o que falar hoje, diante dessa homenagem que não é minha, mas
dirigida a todos que completam comigo vinte e cinco anos de atividades na uerj,
me deparei com uma questão: como falar da história desta universidade, se eu
vivi apenas uma parte dela, de certa forma no isolamento parcial por estar fora
do campus principal?
então
me lembrei do que eu mesmo venho repetindo ao longo dos últimos anos, quando
fui questionado diversas vezes sobre o fato de reportagens da imprensa ao
mencionarem a esdi às vezes não citarem que ela faz parte da uerj: ora, e
quando mencionam a esdi não estão mencionando a uerj? acho essa uma boa maneira
de invertermos o processo de afastamento que sofremos (ou que buscamos) algumas
vezes.
decidi,
portanto, falar um pouco da minha trajetória dentro desta universidade, e assim
espero refletir as experiências dos muitos amigos que hoje conto nas faculdades
de biologia, medicina social, geologia, química, matemática, psicologia,
engenharia, artes, direito, educação, comunicação, física, odontologia,
nutrição, enfim, em quase todas as unidades – de ensino ou administrativas –
aonde eu posso dizer que hoje coleciono amigos.
pois
os amigos que me permitam, então, começar a falar dessa história, e sintam-se
homenageados nas minhas palavras e reconheçam-se nas minhas experiências.
começando a escrever, eu resolvi dar um nome
à esta fala, com base no que ela significa para mim: "vestindo a camisa" (e também fazê-lo literalmente, com uma
estampa de camiseta que remete à história da esdi, pois foi criada para o
cartaz dos 15 anos da escola, em 1977). vamos então à história por trás desta
camisa suada:
aos
quinze anos de idade, recortei do jornal o globo uma reportagem aonde carmen
portinho falava sobre a esdi, que estava então sendo incorporada à universidade
do estado do rio de janeiro. mas ainda não sabia que, quatro anos e dois
vestibulares depois eu passaria a fazer parte dessa instituição. ou melhor,
começaria uma nova e longa vida dentro dela. em novembro de 1978, há trinta
anos, estive aqui como candidato a aluno, fazendo a inscrição para o primeiro
vestibular da esdi realizado pela uerj.
desde
o primeiro ano da esdi eu tinha essa mania de dizer sim a tudo, de me oferecer
para tudo, de participar de todas as atividades, de me envolver com o que
estava fazendo. talvez pela formação recebida dos meus pais, que me fizeram
trabalhar durante as férias desde os doze ou treze anos de idade para
compreender as relações entre trabalho, lazer, e escolhas profissionais. meus
pais, embora felizes nas suas atividades, tiveram que sublimar suas aspirações
profissionais da juventude durante o período difícil da segunda guerra, e por
isso sempre nos estimularam a buscar a realização em atividades para as
quais nos sentíssemos verdadeiramente vocacionados e com as quais pudéssemos
nos envolver a vida toda, e com prazer.
já
no final do primeiro ano de faculdade eu estava promovendo um exposição, na
esdi, que integrava nossos trabalhos aos do curso de desenho industrial da ufrj
sob um mesmo tema, que hoje chamaríamos de design sustentável. e depois ainda levamos essa exposição para o
parque laje, juntando trabalhos de alunos da puc. eu devia saber que ali estava
começando alguma coisa que iria me acompanhar todos esses anos: um certo
inconformismo com a acomodação, uma vontade de integrar atividades, idéias,
escolas, pensamentos, em prol do crescimento daquela atividade que eu estava
abraçando, seguindo o conselho dos meus pais, para a vida toda. e também
constatar que ali, ao promover essas atividades, eu conseguia vencer minha
timidez pós-adolescente e me comunicar livremente, me integrar. bem, mas eu não
vou descrever meus quatro anos de esdi, meus encantos e desencantos, os
trabalhos, as festas, o centro acadêmico, o final da ditadura, os ideais, as
paixões.
uma
das atividades que eu desenvolvia na esdi era a fotografia, bastante valorizada
na escola, e na qual eu vinha trabalhando profissionalmente desde muito cedo.
pois foi através desse interesse que surgiu o convite, inicialmente
intermediado por ex-colegas, para que eu assumisse uma posição no laboratório
fotográfico da escola. eu tinha acabado de colar grau na esdi, no início de
1983, quando carmen portinho, diretora da escola, me fez a oferta, e dois meses
depois o reitor joão salim miguel assinava a minha contratação.
passado
o susto inicial – pois não via em mim a menor vocação para o ensino, e percebia
que aquele poderia ser um caminho sem volta – resolvi aceitar o desafio.
afinal, gostava de desafios. o salário podia ser considerado simbólico, mesmo
para um recém-formado, e não permitia a dedicação integral. logo consegui
alugar uma sala nas proximidades que me permitiu, nos anos seguintes, conciliar
os projetos de design com a atividade na escola.
ainda
no final dos anos oitenta (1988), logo depois de participar da montagem da
exposição dos 25 anos da esdi, fui enviado como representante da escola a um
forum sobre o ensino do design nos anos noventa, e acabei me tornando
signatário da hoje histórica "carta de canasvieiras" que propôs os
rumos do design brasileiro na década seguinte. o pedrão (pedro luiz pereira de
souza), diretor da esdi logo após a saída de carmen portinho, deve ter
percebido em mim alguma qualidade que eu mesmo não suspeitava. havíamos
trabalhado juntos em projetos que iam muito além das minhas funções na escola,
e ele devia saber que eu me desincumbiria adequadamente, representando bem a
primeira escola de design fundada na américa do sul entre as outras tantas
escolas presentes. entre outras coisas, havíamos trabalhado numa parceria com a
itália que trouxe ao brasil grandes professores do politécnico de milão –
designers, arquitetos, historiadores – dos quais fui até mesmo tradutor sem
jamais ter "parlado niente"
de italiano antes. acho que só pelo desafio...
mas
nem tudo eram flores na escola neste tempo. no início dos anos oitenta, uma
respeitável instituição, numa atitude que não condizia com a sua tradição,
conseguiu junto à união a cessão do terreno ocupado pela esdi desde a sua
fundação, alegando que neste havia apenas "quatro ou cinco cômodos de uma
repartição pública sem importância". o desrespeito à uma instituição
pública com a notoriedade da esdi obteve resposta na luta que se seguiu por
duas décadas, e cujo desfecho ainda não aconteceu.
no
início dos anos noventa, quando trabalhava junto com outros professores na
formulação de uma proposta de atualização curricular, fui convidado a preencher
uma vaga de professor substituto na esdi. a dependência financeira da atividade
profissional no escritório, bem como a inexistência de uma pós-graduação
específica na área de design me afastaram de aprofundar meus estudos. e assim,
dois anos depois, minha carreira docente começou formalmente com um concurso
para professor auxiliar. e não é que eu descobri que gostava – e muito – de
aprender continuamente junto com os alunos?
pressionado
por aquele vírus empreendedor que já me levara ao envolvimento em tantas
atividades na esdi, aceitei o convite e o desafio do freddy van camp para
trabalhar com ele na criação do centroesdi, centro de informação em design,
aonde também comecei a me envolver mais diretamente com políticas públicas de
design. essa parceria com o freddy (e com os outros envolvidos no centroesdi)
me levou a participar por exemplo do concurso para o design das moedas do real,
promovido para o banco central, e ainda na aventura de promover o design
brasileiro num congresso internacional em toronto (sem qualquer apoio e pagando
todas as despesas do nosso próprio bolso...).
e
isso acabou resultando na nossa candidatura à direção da esdi, em 1999. a
escola atravessava um momento difícil, cheia de indefinições, duvidando do
próprio futuro, e o freddy, que já tinha sido diretor anteriormente, resolveu
se lançar novamente, e me convenceu a embarcar nesse novo desafio. e como eu
sempre gostei de desafios...
a
história da escola trazia fama e reconhecimento para o seu passado. como lidar
com o presente e os problemas que devíamos enfrentar? e quanto ao futuro da
esdi?
hoje
eu poderia dizer que "traçamos uma
estratégia de enfrentamento do presente e do futuro, num verdadeiro choque
heterodoxo, distante das fórmulas tradicionais", e isso soaria muito
bonito, mas na verdade, o que fizemos mesmo foi "tocar de ouvido" –
emprestando da música uma expressão que cabe bem para descrever como
enfrentamos nossos problemas usando as poucas ferramentas e recursos de que
podemos dispor na maioria das vezes. resolvemos acreditar no potencial da
escola, ignorar as grandes críticas, passar por cima de algumas urgências
importantes, e apostar alto na inserção da esdi no processo de
globalização.
quanto
ao futuro, foi iniciado um projeto – a nova esdi – que mostraria o quanto
acreditávamos no potencial da escola: quatro novos prédios com instalações para
laboratórios, biblioteca, pós-graduação, incubadora de empresas, auditório e
espaços de exposição – tudo o que a esdi poderia sonhar para poder crescer
adequadamente. o projeto, concluído em 2003, foi votado no consuni como
prioritário para a universidade, na medida em que projetava a uerj bem no
centro da cidade, através de uma unidade de excelência, mostrando à sociedade
carioca a qualidade da produção desta universidade. e depois, este projeto foi
engavetado pela universidade por quatro anos...
quanto
à inserção da escola num universo acadêmico globalizado, a esdi foi pioneira no
estabelecimento de relações internacionais na graduação, e hoje troca
estudantes, professores e experiências através de intercâmbios com doze escolas
nos estados unidos, alemanha, frança, bélgica, holanda, portugal, finlândia e
coréia. e estamos nos preparando para alçar vôos maiores, com o projeto de um
doutorado em co-titulação com o reino unido e alemanha.
mas
essa inserção na globalização, não apenas inevitável, mas também necessária e
desejável na área do design, nos levou a estreitar laços com grandes empresas,
e desenvolvemos projetos em parcerias com a microsoft, yahoo, electrolux, e com
a motorola, que chegou a construir e equipar um laboratório na escola. nestes
projetos sempre nos destacamos pela qualidade do trabalho desenvolvido pelos
nossos alunos, diante dos outros participantes internacionais.
enquanto
trabalhávamos em tecnologias para o futuro, a escola também procurava estimular
o pensamento sustentável. e foi assim que apoiou o projeto de pesquisa de um
ex-aluno, cláudio ferreira, sobre materiais naturais sustentáveis, projeto este
que acabou trazendo para a esdi, em 2005, o mais importante prêmio de design
que existe no mundo, em sua categoria máxima, o prêmio if gold pelo
desenvolvimento do compensado de pupunha. outros materiais vieram depois deste,
e diversos outros prêmios também.
a
curiosidade sobre a produção da esdi despertou a curadoria do salone satellite,
em milão, que convidou a escola a participar da exposição que é a grande
lançadora de talentos mundiais em 2006, e lá nos apresentamos exatamente
mostrando essas pesquisas sobre novos materiais, invertendo o olhar que o mundo
têm sobre o brasil, como produtor de matéria prima de alta qualidade extraída
das nossas grandes reservas e vendida a preço vil no mercado internacional.
mostramos um outro brasil, que usa a criatividade de forma consciente do seu
papel na preservação e na exploração sustentável dos recursos naturais.
o
grupo de estudantes envolvidos no projeto de materiais naturais sustentáveis
hoje se encontra abrigado na nossa incubadora de design, a design.inc, e
continua ganhando prêmios e alcançando notoriedade, além de desenvolver
projetos em parceria com a escola, como um grande laboratório que tem sido
negociado com o bndes por dois anos, com apoio ainda da embraer e da faperj, e
que, se tudo der certo, estará de pé em 2009.
mas
a sustentabilidade foi também tema de um belíssimo projeto desenvolvido por
estudantes da escola, com apoio da fundação odebrecht, junto a comunidades
quilombola no sul da bahia. o projeto, que procurou instrumentar essas
comunidades para melhor aproveitar a piaçava em todo o seu ciclo, foi
desenvolvido em conjunto com uma das escolas alemãs parceiras da esdi, e teve
resultados e proporcionou experiências para professores e estudantes que foram
emocionantes.
alta
tecnologia caminhando ao lado de projetos com alta consciência ecológica e
preocupação com a sustentabilidade são hoje a marca da esdi. e isso foi
reconhecido no ano passado, quando a escola, depois de obter a maior média
nacional no enade na área de design, e de ter sido apontada pelo guia do
estudante como a melhor do país, foi ainda classificada pela revista americana
business week como uma das quarenta melhores escolas de design do mundo.
essa
é a escola na qual passei, com muito orgulho, estes vinte e cinco anos de uerj
que celebro hoje. ou vinte e nove, incluindo meus anos de estudante...
mas
como sempre, esse sucesso da escola se fez com o envolvimento e a dedicação de muitas
pessoas. e eu não poderia deixar de mencionar quatro personalidades marcantes
que conheci nestes anos todos, e que muito influenciaram os meus passos. e
nestas quatro pessoas eu homenageio os outros tantos que igualmente
contribuíram para essa longa caminhada.
o
primeiro, roberto verschleisser –
foi aluno da primeira turma da esdi e meu professor logo no primeiro ano da
escola. dele aprendi e herdei o entusiasmo pela atividade do design e a
emotividade paternal de apreciar, frequentemente até as lágrimas, o sucesso de
alunos e ex-alunos. sem dúvida a escola vai perder um pedaço da sua história
com a sua aposentadoria neste final ano.
carmen portinho – pioneira,
conduziu com firmeza a esdi por vinte anos, mantendo-a incólume durante os anos
de chumbo, com muito jogo de cintura... e, por algum motivo, resolveu que eu
podia ser professor!
pedro luiz pereira de souza –
professor, amigo, designer e filósofo, biógrafo da esdi e historiador do design
brasileiro. companheiro de projetos e a quem eu credito ter me empurrado da
beira do abismo para que eu pudesse, um dia, alçar vôos mais elevados.
(continuo tentando, pedrão!)
por
último, freddy van camp –
também professor e amigo, companheiro de inúmeras lutas, com um conhecimento
enciclopédico de design, e contatos no mundo todo. devo tantos ensinamentos a
ele que é difícil resumir em poucas palavras.
a
família é sempre a primeira e maior sacrificada quando nos dedicamos desta
maneira – vestindo a camisa – à instituição. e estes vinte
e cinco anos viram nascer meu melhor projeto como designer e como pessoa, meu
filho raul, e viram ir embora meu maior exemplo de integridade e de luta, meu
pai raul. por eles, com muito orgulho, é que procurei dar o melhor de mim para
esta instituição. por respeito ao que recebi e por respeito ao que deixarei.
e
assim, amigos, resumo este trajeto, que certamente tem muito em comum com o
trajeto de tantos dos meus colegas e amigos que hoje recebem, comigo, esta
homenagem.
e
a vocês todos eu dedico estas palavras.
gabriel patrocínio
04.12.2008