terça-feira, 30 de dezembro de 2014

design no âmbito da economia e de políticas industriais


[transcrição da minha participação no debate promovido pelo british council em são paulo, novembro de 2013, organizado pela economista lidia goldenstein. a íntegra das discussões foi lançada em novembro de 2014 sob a forma de uma coleção com três volumes - ver link abaixo do artigo]




questionamentos sobre design e inovação não são assuntos novos no brasil. há quase 140 anos, o estadista, advogado e multifuncional rui barbosa dizia, na inauguração do liceu de artes e ofícios, no rio, que o desenho – ele não usava o termo design – era um ofício que devia ser incorporado pela indústria brasileira para que o país deixasse de ser exclusivamente um exportador de matéria-prima. e mais: se conseguíssemos unir a habilidade para o desenho, bem demonstrada naquela instituição de ensino na época, com as riquezas naturais do brasil, seríamos altamente competitivos.

nós nos esquecemos disso por cento e tantos anos e voltamos ao assunto no início dos anos 70, com o primeiro plano nacional de desenvolvimento científico e tecnológico. na época, a unido [ou onudi – organização das nações unidas para o desenvolvimento industrial, em português] havia publicado alguns documentos sobre a importância de que países periféricos, ou em desenvolvimento, tivessem políticas nacionais de design, que usassem o design como uma ferramenta de desenvolvimento econômico e social. nos anos 70, gui bonsiepe, designer alemão que se radicou na américa latina e hoje está no brasil, dizia que havia um erro estratégico sendo cometido em termos de políticas de design: nós, designers, estávamos preocupados em falar para os empresários, para a sociedade e para o governo quando deveríamos falar para o governo, para a sociedade e para os empresários; estávamos invertendo completamente a ordem. o governo não tinha noção do que falávamos; nós, designers, não sabemos falar com o governo, precisamos aprender essa outra linguagem. não sabemos falar com os empresários também, outra questão mais séria ainda.

dando outro salto, nos anos 2000 começa-se a falar em inovação, em como a sociedade pós-industrial em que vivemos começa a carecer de outras maneiras de competição além de preços e tecnologia. em 2008, o reino unido lançou seu planejamento de inovação, inovation nation, citado no ensaio da ailbhe [mcnabola]. nas 52 páginas do documento, design como ferramenta de inovação, como atividade, é mencionado 60 vezes. em 2010, a união europeia publicou seu próprio documento a respeito, chamado inovation union, com 43 páginas, que menciona 14 vezes o design como a ferramenta fundamental de inovação, que não deveria ser desprezada. um ano depois, o brasil edita a estratégia nacional de tecnologia e inovação para 2012 e 2015. temos a capacidade de sermos prolixos sempre, então o nosso documento tem 220 páginas, mas não fala em design uma única vez.

hoje percebemos que há uma abertura para discutir design com o governo em várias instâncias e com órgãos de fomento também. o bndes [banco nacional de desenvolvimento econômico e social] lançou não só o prodesign, mas o procult, com r$ 1,5 bilhão de reais, que também atinge o designer. só nesses dois programas já são r$ 2 bilhões, r$ 500 milhões para financiar design e uma fatia de r$ 1,5 bilhão que também pode ser usada para isso. o governo do estado do rio lançou, recentemente, um programa próprio de financiamento de r$ 80 milhões. na semana passada, tive uma reunião no rio com a presidência da finep [agência brasileira da inovação], discutindo como ajudá-los a entender melhor o design como ferramenta de inovação. nesses lugares, temos encontrado um panorama muito curioso: admite-se que o design é parte do processo de inovação que está sendo financiado, mas o julgamento é absolutamente subjetivo, não se sabe de que design se está falando, não se sabe por que o design é uma ferramenta de inovação.

durante a brasil design week 2013 em são paulo, nós da abedesign [associação brasileira de empresas de design] debatemos sobre o lançamento do programa do bndes. nossa preocupação é que parecia um casamento para o qual se esqueceram de avisar a noiva: o programa lançado foi uma surpresa para nós, designers. uma boa surpresa, mas, ao mesmo tempo, preocupante, porque é um programa que estabelece um corte inicial muito elevado – r$ 3 milhões, se eu não me engano – para entrada de projetos de design. para o bndes, já significa abaixar bastante o patamar habitual, que acho que é de r$ 10 milhões financiáveis. ainda assim, para projetos de design de uma maneira geral, é um patamar bastante elevado.

estamos chegando lá, mas precisamos encontrar mecanismos para capilarizar um pouco mais esses recursos. tenho até um certo receio de falar de capilaridade de recursos, porque temos uma tendência no brasil a sempre capilarizar, atingir todas as instituições, todos os locais, e isso, num país de proporções continentais, é um problema sério. acabamos não nos concentrando em nada, em nenhum programa de excelência, e criando uma enormidade de ações das quais um percentual mínimo efetivamente vinga. há quase dez anos, quando estava na direção da esdi [escola superior de desenho industrial], montamos um seminário com o bndes para discutir o que acontecia com as políticas de design no país: fazia-se alguma coisa, mas não ia adiante. a causa apontada foi a excessiva capilaridade de recursos. no brasil, às vezes há preocupação muito grande em distribuir recursos da forma mais democrática possível e cobrir toda essa enorme extensão territorial, mas não se consegue fazer isso. fiz meu doutorado em um programa do reino unido, cuja decisão estratégica de política de design nacional faz o oposto disso: decidiu-se concentrar todos os esforços em uma instituição para que essa se tornasse uma instituição de excelência. alcançando sucesso, esse exemplo se replicará e será seguido por outras instituições.

em 2008, organizamos um seminário internacional sobre políticas de design no rio de janeiro e convidamos representantes da espanha, da coreia do sul e do reino unido. eles trouxeram um panorama bastante diverso do que acontecia no brasil. estes países tinham centros, conselhos de design para propor, desenvolver e gerir programas de design, com grandes equipes, números impressionantes, enquanto no brasil nós tínhamos apenas uma pessoa no ministério do desenvolvimento tomando conta de um programa de design junto com programas de outras áreas. era impossível essa única pessoa gerir sozinha qualquer um daqueles programas, quanto mais diversos programas. eram programas que existiam só no papel.

o planejamento original do programa brasileiro de design é muito bem-feito, mas não dá para querer reinventar a roda e gerir políticas públicas sem um órgão de gestão de políticas públicas. há poucas semanas, em um debate na editora abril, disseram: “se vocês vão esperar que o governo faça alguma coisa, esqueçam; o segmento de design não vai crescer nunca”. eu contra-argumentei: “design é componente fundamental na promoção da inovação – e estamos de acordo com isso. se pretendemos nos tornar mais competitivos através da inovação e sabemos que para isso precisamos do design, basta olhar para os países mais competitivos no mundo hoje e ver como eles gerem as suas políticas de design; não adianta imaginar que vamos fazer de um jeito completamente diferente”.

eu vejo com muita preocupação como a economia criativa vem sendo tratada dentro da área da cultura no brasil. o produto do design pode se situar no ambiente da cultura, mas a produção do design se estabelece no âmbito da economia. portanto, o foco maior da discussão de políticas de design não pode ser deslocado para o produto do design, mas sim tratar das relações que existem entre design e inovação, desenvolvimento, políticas de ciência e tecnologia. se desconsiderarmos este contexto, vamos nos afastar do verdadeiro papel que o design representa, ou pode representar, para a economia. aliás, esse é o sentido original do que richard florida escreveu há tempos, a visão macroeconômica sobre as indústrias criativas e o papel delas como fator de competitividade. isso muito me preocupa. não podemos considerar o design apenas em relação ao seu produto final, pois isso alimentaria a visão do design como uma casca que aparece ao final da produção, e não como processo integral, front end da inovação.

em um artigo de 2009, o deputado antonio palocci [ex-ministro da fazenda] disse que o design fez mais pela economia brasileira do que qualquer medida protecionista. essa percepção dele tinha origem e se ampliava a partir do segmento da moda. existe, entre os economistas, uma vaga percepção sobre a importância do design, mas esse desvio de rota que se está fazendo é muito preocupante.

job rodrigues [bndes] questionou como ir além dos prêmios e da promoção no design, afirmando que uma política de design tem de ir além disso. isso vem sendo discutido há pelo menos 70 anos, que é a idade do design council. os historiadores remetem a história das políticas de design até o século 19, pelo menos; antes ainda, como uma pré-história, as políticas de design teriam surgido associadas às políticas mercantilistas e depois às feiras universais etc. uma das grandes críticas dos teóricos e historiadores do design ao próprio design council é que, muitas vezes, ele tomou o caminho da evangelização pelo design, como a ailbhe mencionou, por ser mais fácil fazer isso do que intervir no mercado. a intervenção no mercado é muito mais difícil de ser feita; falar dos aspectos positivos do design é muito mais fácil. aqui cabe uma grande autocrítica: nós, designers, temos a tendência de só falar, fazer esse papel de evangelistas de nós (e para nós) mesmos. nisso somos muito semelhantes, possivelmente, aos médicos que, quando lidam com a vida humana, têm a tendência de se verem como super-homens. designers têm a tendência de ser super-homens - afinal, designer é a profissão de deus - isso é muito perigoso.

quando falam que as políticas de design não estão inseridas em políticas tradicionais industriais e de inovação, eu discordo. usando o exemplo do design council: ele foi criado em 1944, durante a segunda guerra, para contribuir para que a indústria britânica crescesse depois que terminasse a guerra. um dos seus objetivos era fornecer mobiliário, acessórios de casa etc. para os bombardeados da guerra e para a grande quantidade de novos casamentos esperados com o retorno dos jovens que tinham ido para a guerra. eles iam formar novas famílias e precisavam mobiliar e montar casas. isso poderia alimentar a indústria britânica, que precisava voltar a crescer. é difícil haver maior inserção do design em uma política industrial do que isso!

outra coisa da qual eu também discordo é que as políticas de design surgem a reboque da indústria. as políticas de design têm sido usadas muitas vezes para intervir na indústria. a indústria coreana, por exemplo, fez uma opção de investir num segmento bastante incomum, o setor da indústria automobilística. o carro coreano há 10, 20 anos, para nós, no brasil, era a towner, da kia, aquele carro horroroso. hoje, os automóveis coreanos competem com a bmw, num patamar completamente diferente. foi uma opção de intervenção num segmento da indústria, sofisticado, totalmente diferente de uma ação em indústria de pequeno porte. foi uma ousadia em termos de política pública o que a coreia fez naquele momento.

sobre política intervencionista no mercado para corrigir falhas sistêmicas, esses documentos da unido dos anos 70 que mencionei previamente sugeriam exatamente esse caminho, que as políticas de design deveriam surgir para apoiar políticas industriais e de ciência e tecnologia, e mostravam como fazer isso. tinham fórmulas prontas que poderiam ser adotadas. no brasil, algumas foram seguidas. o departamento de design do int [instituto nacional de tecnologia] no rio foi criado nessa época, nos anos 70, dentro de uma política industrial. o cetec [fundação centro tecnológico de minas gerais], de belo horizonte, também foi criado nessa época para dar apoio à indústria moveleira local como parte de uma política industrial e tecnológica. existem exemplos práticos no brasil e há outros exemplos de intervenção de políticas de design hoje em dia na coreia, finlândia, dinamarca, suécia e, mais perigosamente, falando de nossa competição direta, em cingapura, na índia e na china.



[a série completa com as três publicações do british council está disponível online, na página "diálogos de economia criativa entre o brasil e o reino unido"]

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

design, política, políticas, políticos…



ao longo dos últimos meses tenho repetido, com algumas variações e adaptações aos propósitos e às diferentes platéias, uma palestra sobre políticas de design. nela eu falo de definições, de problemas relacionados ao desconhecimento, do panorama mundial (com frequência focando apenas no reino unido, para abranger questões típicas), da situação no brasil e suas potencialidades e perspectivas.

consigo enxergar com otimismo o cenário e as perspectivas do design no brasil, especialmente pelas potencialidades que percebo tanto na nossa índole criativa e adaptadora, quanto nas carências do governo (em todas as suas instâncias) por uma ferramenta como o design para desenvolver políticas e serviços públicos mais efetivos e eficientes.

compartilho aqui uma das versões desta palestra, que contém ainda algumas questões relacionadas à propriedade intelectual, já que foi apresentada no seminário internacional de desenho industrial promovido na puc de porto alegre pelo inpi (instituto nacional de propriedade intelectual) e pela ompi (organização mundial de propriedade intelectual). aqueles que me assistiram no rio de janeiro no dia 9 de novembro (semana design rio, no jóquei) ou em goiânia no dia 17 de dezembro (na incubadora goiás criativo) vão reconhecer o conteúdo da primeira parte!

pois bem, que 2015 seja um ano repleto de realizações para o design brasileiro!