terça-feira, 30 de dezembro de 2014

design no âmbito da economia e de políticas industriais


[transcrição da minha participação no debate promovido pelo british council em são paulo, novembro de 2013, organizado pela economista lidia goldenstein. a íntegra das discussões foi lançada em novembro de 2014 sob a forma de uma coleção com três volumes - ver link abaixo do artigo]




questionamentos sobre design e inovação não são assuntos novos no brasil. há quase 140 anos, o estadista, advogado e multifuncional rui barbosa dizia, na inauguração do liceu de artes e ofícios, no rio, que o desenho – ele não usava o termo design – era um ofício que devia ser incorporado pela indústria brasileira para que o país deixasse de ser exclusivamente um exportador de matéria-prima. e mais: se conseguíssemos unir a habilidade para o desenho, bem demonstrada naquela instituição de ensino na época, com as riquezas naturais do brasil, seríamos altamente competitivos.

nós nos esquecemos disso por cento e tantos anos e voltamos ao assunto no início dos anos 70, com o primeiro plano nacional de desenvolvimento científico e tecnológico. na época, a unido [ou onudi – organização das nações unidas para o desenvolvimento industrial, em português] havia publicado alguns documentos sobre a importância de que países periféricos, ou em desenvolvimento, tivessem políticas nacionais de design, que usassem o design como uma ferramenta de desenvolvimento econômico e social. nos anos 70, gui bonsiepe, designer alemão que se radicou na américa latina e hoje está no brasil, dizia que havia um erro estratégico sendo cometido em termos de políticas de design: nós, designers, estávamos preocupados em falar para os empresários, para a sociedade e para o governo quando deveríamos falar para o governo, para a sociedade e para os empresários; estávamos invertendo completamente a ordem. o governo não tinha noção do que falávamos; nós, designers, não sabemos falar com o governo, precisamos aprender essa outra linguagem. não sabemos falar com os empresários também, outra questão mais séria ainda.

dando outro salto, nos anos 2000 começa-se a falar em inovação, em como a sociedade pós-industrial em que vivemos começa a carecer de outras maneiras de competição além de preços e tecnologia. em 2008, o reino unido lançou seu planejamento de inovação, inovation nation, citado no ensaio da ailbhe [mcnabola]. nas 52 páginas do documento, design como ferramenta de inovação, como atividade, é mencionado 60 vezes. em 2010, a união europeia publicou seu próprio documento a respeito, chamado inovation union, com 43 páginas, que menciona 14 vezes o design como a ferramenta fundamental de inovação, que não deveria ser desprezada. um ano depois, o brasil edita a estratégia nacional de tecnologia e inovação para 2012 e 2015. temos a capacidade de sermos prolixos sempre, então o nosso documento tem 220 páginas, mas não fala em design uma única vez.

hoje percebemos que há uma abertura para discutir design com o governo em várias instâncias e com órgãos de fomento também. o bndes [banco nacional de desenvolvimento econômico e social] lançou não só o prodesign, mas o procult, com r$ 1,5 bilhão de reais, que também atinge o designer. só nesses dois programas já são r$ 2 bilhões, r$ 500 milhões para financiar design e uma fatia de r$ 1,5 bilhão que também pode ser usada para isso. o governo do estado do rio lançou, recentemente, um programa próprio de financiamento de r$ 80 milhões. na semana passada, tive uma reunião no rio com a presidência da finep [agência brasileira da inovação], discutindo como ajudá-los a entender melhor o design como ferramenta de inovação. nesses lugares, temos encontrado um panorama muito curioso: admite-se que o design é parte do processo de inovação que está sendo financiado, mas o julgamento é absolutamente subjetivo, não se sabe de que design se está falando, não se sabe por que o design é uma ferramenta de inovação.

durante a brasil design week 2013 em são paulo, nós da abedesign [associação brasileira de empresas de design] debatemos sobre o lançamento do programa do bndes. nossa preocupação é que parecia um casamento para o qual se esqueceram de avisar a noiva: o programa lançado foi uma surpresa para nós, designers. uma boa surpresa, mas, ao mesmo tempo, preocupante, porque é um programa que estabelece um corte inicial muito elevado – r$ 3 milhões, se eu não me engano – para entrada de projetos de design. para o bndes, já significa abaixar bastante o patamar habitual, que acho que é de r$ 10 milhões financiáveis. ainda assim, para projetos de design de uma maneira geral, é um patamar bastante elevado.

estamos chegando lá, mas precisamos encontrar mecanismos para capilarizar um pouco mais esses recursos. tenho até um certo receio de falar de capilaridade de recursos, porque temos uma tendência no brasil a sempre capilarizar, atingir todas as instituições, todos os locais, e isso, num país de proporções continentais, é um problema sério. acabamos não nos concentrando em nada, em nenhum programa de excelência, e criando uma enormidade de ações das quais um percentual mínimo efetivamente vinga. há quase dez anos, quando estava na direção da esdi [escola superior de desenho industrial], montamos um seminário com o bndes para discutir o que acontecia com as políticas de design no país: fazia-se alguma coisa, mas não ia adiante. a causa apontada foi a excessiva capilaridade de recursos. no brasil, às vezes há preocupação muito grande em distribuir recursos da forma mais democrática possível e cobrir toda essa enorme extensão territorial, mas não se consegue fazer isso. fiz meu doutorado em um programa do reino unido, cuja decisão estratégica de política de design nacional faz o oposto disso: decidiu-se concentrar todos os esforços em uma instituição para que essa se tornasse uma instituição de excelência. alcançando sucesso, esse exemplo se replicará e será seguido por outras instituições.

em 2008, organizamos um seminário internacional sobre políticas de design no rio de janeiro e convidamos representantes da espanha, da coreia do sul e do reino unido. eles trouxeram um panorama bastante diverso do que acontecia no brasil. estes países tinham centros, conselhos de design para propor, desenvolver e gerir programas de design, com grandes equipes, números impressionantes, enquanto no brasil nós tínhamos apenas uma pessoa no ministério do desenvolvimento tomando conta de um programa de design junto com programas de outras áreas. era impossível essa única pessoa gerir sozinha qualquer um daqueles programas, quanto mais diversos programas. eram programas que existiam só no papel.

o planejamento original do programa brasileiro de design é muito bem-feito, mas não dá para querer reinventar a roda e gerir políticas públicas sem um órgão de gestão de políticas públicas. há poucas semanas, em um debate na editora abril, disseram: “se vocês vão esperar que o governo faça alguma coisa, esqueçam; o segmento de design não vai crescer nunca”. eu contra-argumentei: “design é componente fundamental na promoção da inovação – e estamos de acordo com isso. se pretendemos nos tornar mais competitivos através da inovação e sabemos que para isso precisamos do design, basta olhar para os países mais competitivos no mundo hoje e ver como eles gerem as suas políticas de design; não adianta imaginar que vamos fazer de um jeito completamente diferente”.

eu vejo com muita preocupação como a economia criativa vem sendo tratada dentro da área da cultura no brasil. o produto do design pode se situar no ambiente da cultura, mas a produção do design se estabelece no âmbito da economia. portanto, o foco maior da discussão de políticas de design não pode ser deslocado para o produto do design, mas sim tratar das relações que existem entre design e inovação, desenvolvimento, políticas de ciência e tecnologia. se desconsiderarmos este contexto, vamos nos afastar do verdadeiro papel que o design representa, ou pode representar, para a economia. aliás, esse é o sentido original do que richard florida escreveu há tempos, a visão macroeconômica sobre as indústrias criativas e o papel delas como fator de competitividade. isso muito me preocupa. não podemos considerar o design apenas em relação ao seu produto final, pois isso alimentaria a visão do design como uma casca que aparece ao final da produção, e não como processo integral, front end da inovação.

em um artigo de 2009, o deputado antonio palocci [ex-ministro da fazenda] disse que o design fez mais pela economia brasileira do que qualquer medida protecionista. essa percepção dele tinha origem e se ampliava a partir do segmento da moda. existe, entre os economistas, uma vaga percepção sobre a importância do design, mas esse desvio de rota que se está fazendo é muito preocupante.

job rodrigues [bndes] questionou como ir além dos prêmios e da promoção no design, afirmando que uma política de design tem de ir além disso. isso vem sendo discutido há pelo menos 70 anos, que é a idade do design council. os historiadores remetem a história das políticas de design até o século 19, pelo menos; antes ainda, como uma pré-história, as políticas de design teriam surgido associadas às políticas mercantilistas e depois às feiras universais etc. uma das grandes críticas dos teóricos e historiadores do design ao próprio design council é que, muitas vezes, ele tomou o caminho da evangelização pelo design, como a ailbhe mencionou, por ser mais fácil fazer isso do que intervir no mercado. a intervenção no mercado é muito mais difícil de ser feita; falar dos aspectos positivos do design é muito mais fácil. aqui cabe uma grande autocrítica: nós, designers, temos a tendência de só falar, fazer esse papel de evangelistas de nós (e para nós) mesmos. nisso somos muito semelhantes, possivelmente, aos médicos que, quando lidam com a vida humana, têm a tendência de se verem como super-homens. designers têm a tendência de ser super-homens - afinal, designer é a profissão de deus - isso é muito perigoso.

quando falam que as políticas de design não estão inseridas em políticas tradicionais industriais e de inovação, eu discordo. usando o exemplo do design council: ele foi criado em 1944, durante a segunda guerra, para contribuir para que a indústria britânica crescesse depois que terminasse a guerra. um dos seus objetivos era fornecer mobiliário, acessórios de casa etc. para os bombardeados da guerra e para a grande quantidade de novos casamentos esperados com o retorno dos jovens que tinham ido para a guerra. eles iam formar novas famílias e precisavam mobiliar e montar casas. isso poderia alimentar a indústria britânica, que precisava voltar a crescer. é difícil haver maior inserção do design em uma política industrial do que isso!

outra coisa da qual eu também discordo é que as políticas de design surgem a reboque da indústria. as políticas de design têm sido usadas muitas vezes para intervir na indústria. a indústria coreana, por exemplo, fez uma opção de investir num segmento bastante incomum, o setor da indústria automobilística. o carro coreano há 10, 20 anos, para nós, no brasil, era a towner, da kia, aquele carro horroroso. hoje, os automóveis coreanos competem com a bmw, num patamar completamente diferente. foi uma opção de intervenção num segmento da indústria, sofisticado, totalmente diferente de uma ação em indústria de pequeno porte. foi uma ousadia em termos de política pública o que a coreia fez naquele momento.

sobre política intervencionista no mercado para corrigir falhas sistêmicas, esses documentos da unido dos anos 70 que mencionei previamente sugeriam exatamente esse caminho, que as políticas de design deveriam surgir para apoiar políticas industriais e de ciência e tecnologia, e mostravam como fazer isso. tinham fórmulas prontas que poderiam ser adotadas. no brasil, algumas foram seguidas. o departamento de design do int [instituto nacional de tecnologia] no rio foi criado nessa época, nos anos 70, dentro de uma política industrial. o cetec [fundação centro tecnológico de minas gerais], de belo horizonte, também foi criado nessa época para dar apoio à indústria moveleira local como parte de uma política industrial e tecnológica. existem exemplos práticos no brasil e há outros exemplos de intervenção de políticas de design hoje em dia na coreia, finlândia, dinamarca, suécia e, mais perigosamente, falando de nossa competição direta, em cingapura, na índia e na china.



[a série completa com as três publicações do british council está disponível online, na página "diálogos de economia criativa entre o brasil e o reino unido"]

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

design, política, políticas, políticos…



ao longo dos últimos meses tenho repetido, com algumas variações e adaptações aos propósitos e às diferentes platéias, uma palestra sobre políticas de design. nela eu falo de definições, de problemas relacionados ao desconhecimento, do panorama mundial (com frequência focando apenas no reino unido, para abranger questões típicas), da situação no brasil e suas potencialidades e perspectivas.

consigo enxergar com otimismo o cenário e as perspectivas do design no brasil, especialmente pelas potencialidades que percebo tanto na nossa índole criativa e adaptadora, quanto nas carências do governo (em todas as suas instâncias) por uma ferramenta como o design para desenvolver políticas e serviços públicos mais efetivos e eficientes.

compartilho aqui uma das versões desta palestra, que contém ainda algumas questões relacionadas à propriedade intelectual, já que foi apresentada no seminário internacional de desenho industrial promovido na puc de porto alegre pelo inpi (instituto nacional de propriedade intelectual) e pela ompi (organização mundial de propriedade intelectual). aqueles que me assistiram no rio de janeiro no dia 9 de novembro (semana design rio, no jóquei) ou em goiânia no dia 17 de dezembro (na incubadora goiás criativo) vão reconhecer o conteúdo da primeira parte!

pois bem, que 2015 seja um ano repleto de realizações para o design brasileiro!





sexta-feira, 31 de outubro de 2014

políticas de design: a tese




de outubro de 2009 a maio de 2013 dediquei-me integralmente a pesquisar, discutir, e escrever sobre políticas de design. este foi o período que passei na universidade de cranfield, reino unido, desenvolvendo o meu doutorado. finalmente em novembro de 2013 passei pela minha banca e fui aprovado após fazer algumas correções solicitadas.

a pesquisa recebeu o título: the impact of european design policies and their implications on the development of a framework to support future brazilian design policies.

recentemente foi disponibilizado pela biblioteca da universidade o link para a tese, que compartilho agora com vocês:


a tese está disponível também através do sistema ethos (electronic theses online service), da british library:


espero que vocês gostem a façam bom proveito!


atualização:



em cerimônia no dia 27.11.2014, minha tese foi agraciada com o primeiro lugar na 28ª edição do prêmio design do museu da casa brasileira, na categoria de trabalhos escritos não-publicados. o prêmio design mcb é a mais tradicional premiação de design no brasil, sendo atribuído desde 1986.

atualização 2:



no dia 23.05.2016, tive a honra de receber o troféu máximo (categoria ouro) do prêmio internacional objeto:brasil, tornando-se assim o segundo prêmio máximo a ser concedido à tese.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

diagnóstico do design brasileiro – uma resenha




o ministério do desenvolvimento (mdic) lançou no início de junho de 2014 o diagnóstico do design brasileiro, estudo encomendado através da apex ao centro brasil design. não é a primeira vez que se tenta fazer um mapeamento da atividade de design no país – há antecedentes do próprio centro de design paraná para o programa brasileiro de design (1,2) (do próprio mdic) e também do sebrae (3), entre outras iniciativas. desta vez no entanto, ao invés de mapear a demanda ou as instituições e ações promocionais, a iniciativa do mdic aprofundou-se mais, pretendendo fazer um diagnóstico amplo do setor que permitisse iniciar um processo de construção de políticas nacionais de design.

um diagnóstico deste porte, de um setor praticamente virgem em termos de estatísticas e estudos, e com a dificuldade de ser precisamente definido e encontrado será sempre parcial, sem nenhum demérito para o estudo ou para a equipe. parcial pela impossibilidade de se fazer um diagnóstico com 100% de abrangência de um segmento fragmentado e difuso, inclusive pela enorme extensão territorial do nosso país. parcial por ainda estarem sendo construídas, em todo o mundo, as métricas para se avaliar o setor. parcial por ter a ousadia de ser o primeiro, por propor e experimentar novas métricas para se buscar entender o segmento.

em se entendendo essas limitações, é preciso que se diga que nunca foi feito estudo com tamanha abrangência e profundidade sobre o design brasileiro. a equipe do centro brasil design, que vem se especializando e se notabilizando no país e internacionalmente há cerca de quinze anos (desde 1999), certamente era a mais habilitada instituição brasileira para realizar esta tarefa. o empenho, a dedicação e a capacidade desta equipe resulta num trabalho de referência histórica para o design brasileiro, que servirá de base a muitos outros estudos que certamente virão.

no que diz respeito às suas intenções originais, sabe-se que o trabalho deverá servir como base para estudos mais específicos, que deverão propor estratégias e caminhos para uma política nacional e para políticas regionais de design.

qual a importância de politicas de design para o brasil?

o design é reconhecido hoje por governos de diversos países pelo seu potencial de fomentar inovação e desenvolvimento. a união europeia nestes últimos anos tem apontado aos seus países membros a importância de se investir em políticas de fomento ao design e inovação. design passou a ser uma palavra-chave para estes países. no brasil, este potencial vem sendo percebido (ainda que lentamente), e começam a tomar forma ações para melhor compreender e fazer uso desta ferramenta.

o potencial do design vai além do seu uso tradicional para promover a competitividade industrial. contribuir para a solução de problemas sociais, nas áreas de saúde, segurança, educação, meio ambiente – tudo isso está no escopo das habilidades transdisciplinares e catalizadoras de soluções que são características do design. essa ‘descoberta do design’ desponta como um importante resultado oferecido à sociedade pelo estudo apresentado pelo centro brasil design.

o estudo aponta ainda o papel do governo em continuar promovendo estudos e levantamentos de dados sobre o setor, que venham alimentar o planejamento e a sistematização de ações na área, aproveitando todo esse potencial. trata-se antes de tudo de uma forma de gestão de design centralizada numa agência nacional, nos moldes do que fazem os países que vêm investindo em políticas de design a décadas, e adaptado às características e dimensões continentais do nosso país. este organismo deverá permitir alinhamento de agendas, atendimento ordenado a demandas, exploração de atributos de excelência e encaminhamento de demandas e correções necessárias – como por exemplo, no atendimento mais objetivo pela academia de demandas efetivas e atuais da indústria e da sociedade em geral.

qual o conteúdo do estudo?

estruturado em quatro partes, o estudo faz inicialmente uma avaliação sobre como as indústrias brasileiras estão entendendo e utilizando o design, traçando a seguir um panorama do setor de design no país, seguindo com um apanhado de referências internacionais para o setor, e finalizando com o estabelecimento de um conjunto de cenários possíveis para o futuro do setor.

partindo de uma proposta metodológica simples e clara – até mesmo para poder enfrentar as dificuldades esperadas em se conseguir dados sobre o setor – o estudo utiliza ferramentas avançadas de análise de gestão de design e inovação (como o international design scoreboard e a design management staircase) para traçar o retrato do design na indústria brasileira, a partir de nove segmentos selecionados. isso permite estabelecer um entendimento inicial sobre o uso do design por esses diversos setores, e por extensão, pode-se falar no uso geral do design pelas empresas brasileiras. a análise dos dados permite ainda comparar a situação do nosso país com outros dois países da américa latina sobre os quais existem alguns dados disponíveis (uruguai e colômbia) e com outros países do mundo, permitindo uma avaliação preliminar da nossa competitividade em design.



ao analisar o mercado de design brasileiro, o estudo aponta fragilidades na “baixa formalização e falta de organização do setor”. aponta-se ainda a falta de estudos sobre o design agindo sobre o mercado, resultando numa aguda falta de dados para que se possa refletir adequadamente sobre o setor. ainda assim o estudo traça um excelente panorama da inserção do design no país, o crescimento apresentado pelo setor nos últimos anos, e as ações governamentais que procuram dar suporte à este crescimento. os modelos de negócios adotados pelo mercado de design no brasil, as relações entre design e novas tecnologias, e os componentes da cadeia produtiva do design são também pormenorizados no estudo. ao analisar as patentes depositadas no país, o estudo levanta dados preocupantes no que diz respeito ao baixo número de registros feitos por empresas brasileiras frente ao elevado número de depósitos de patentes feito no brasil por empresas estrangeiras – entre os dez maiores depositantes de registros de desenho industrial no país, há somente duas empresas brasileiras.

outra grande contribuição do estudo está no tema do perfil do designer, sua formação e habilidades demandadas pelo mercado atual e futuro. formação profissional, publicações, relações entre academia e mercado, produção de conhecimento, analise de distribuição regional no território nacional, são alguns dos temas abordados. contribuições trazidas de programas como o defining the designer of 2015 (aiga e adobe) e reflexões de pensadores como john maeda pontuam o texto. vale uma boa leitura e reflexão sobre o tema.

outro quadro que demanda reflexão é o tema das estruturas de financiamento ao design existentes no país – que sem dúvida superam as expectativas de leitores designers. certamente é mais do que imaginamos, e demonstra que talvez o segmento deva se preparar melhor para fazer uso dos recursos que estão sendo mobilizados, além de cobrar muitas vezes maior clareza ou adequação dos programas às realidades nacionais ou regionais. comparar as demandas do mercado, a oferta de profissionais, e a disponibilidade de recursos é um interessante exercício a ser feito, e para o qual o estudo fornece dados amplamente. todos esses dados são considerados à luz do conceito de sistema nacional de design, introduzido pelo estudo a partir de conhecimento gerado recentemente sobre o tema em outras regiões do mundo. o estudo destaca ainda a importância do reconhecimento da profissão de designer nesse contexto, e da criação de uma agência nacional que continuamente desenvolva estudos, estruture e implemente políticas para o setor, centralizando e distribuindo dados e recursos.



toda a extensão dos dados coletados a analisados e das informações oriundas de diversas fontes permite traçar, ao final do estudo, três cenários hipotéticos para o design no brasil – conservador, moderado e otimista. o primeiro, mais do que conservador, é na verdade um cenário bastante pessimista, até porque o estudo permite enxergar a clara evolução do setor de design ao longo dos últimos anos, e seria extremamente negativo considerar que poderíamos regredir após tantas conquistas. que seja então o cenário otimista a prevalecer, com um crescimento que nos permita alcançar posições maiores e melhores tanto internamente quanto no âmbito da competitividade comercial e do desenvolvimento do país.

como esse estudo pode ser utilizado?

universidades, associações, instituições ligadas ao design devem especialmente fazer uso do conhecimento, das ferramentas, e dos resultados deste estudo. governos locais – estados e municípios – devem usar este estudo como motivador para estabelecer mecanismos que permitam usar com maior frequência o design como ferramenta de transformação econômica, política e social. um bom começo seria promover debates sobre o seu conteúdo e sobre como aperfeiçoar os indicadores que aparecem no estudo. o que queremos? para onde queremos caminhar? qual o papel que o design pretende exercer na sociedade? estamos preparados para exercer esse papel transformador? o que nos falta para isso?

eu particularmente acredito que nos falta bastante. gui bonsiepe diz desde os anos setenta que os designers precisam aprender a se comunicar com o governo, e john heskett diz que nós precisamos aprender a produzir em termos políticos – e política é completamente diferente de projetos de design. produzir em termos políticos significa entender que precisamos ceder, precisamos buscar consenso, precisamos buscar realizar o possível, sem que seja necessário deixarmos de ter um ideal. mas é necessário entender que não podemos, em termos políticos, rejeitar tudo que não seja o nosso ideal. até mesmo porque o nosso ideal pode não ser o ideal de todos.

finalizando, o diagnóstico do design brasileiro inaugura uma nova era para o entendimento do design como ferramenta de desenvolvimento e inovação no brasil. cabe a nós designers aprender a usar estas novas ferramentas de gestão que passamos a dispor para estabelecer processos de colaboração com o governo, o mercado e a sociedade. não podemos esperar que apenas o governo faça a sua parte – precisamos entender muito bem qual a nossa responsabilidade deste processo, e nos engajarmos proativamente para promover as transformações que acreditamos que o design pode trazer para a sociedade.


1. miasaki,d.; pougy,g. (2006), demanda por design no setor produtivo brasileiro, centro design paraná, curitiba.
2. miasaki,d.; pougy,g.; saavedra,j. (2006), panorama das ações de design no brasil, centro design paraná, curitiba.
3. malaguti,c.; scapin,a. (2011), termo de referência para atuação em design, sebrae-sp, são paulo.



[este post foi publicado originalmente no blog da adg]

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

design & economia

(as aventuras de um designer no mundo dos economistas)



há cerca de seis anos, quando decidi fazer o meu doutorado sobre políticas de design, uma das primeiras pessoas com quem conversei a respeito foi o economista e professor da esdi, wandyr hagge. eu acreditava (e continuo acreditando), que políticas de design são uma ferramenta de promoção do desenvolvimento, e portanto dizem respeito sobretudo à economia. ao ser convidado para fazer meu doutorado na universidade de cranfield, pesou na decisão o fato da escola de negócios de cranfield ser uma das maiores referências mundiais na área de gestão, e que esta escola teria (tem) uma interação contínua com o centro de design competitivo e criativo, o c4d. finalmente, duas das maiores referências na construção da minha pesquisa e do meu pensamento sobre políticas de design foram um designer que sempre enfatizou o papel relevante do design dentro da economia e da promoção do desenvolvimento (gui bonsiepe) e um economista britânico com quem tive a grata satisfação de discutir mais de uma vez o conteúdo do meu trabalho, o professor john heskett. ao voltar para o brasil, em 2013, fui convidado pela economista lídia goldenstein para participar de um debate fechado no british council, em são paulo, sobre economia criativa assunto sobre o qual escrevi recentemente aqui no blog (este debate deve virar livro em breve). tenho encontrado ainda alguns bons interlocutores na área da economia, dispostos a considerarem do design para além do óbvio, e isso me conduziu a excelentes diálogos e descobertas, que eu gostaria de explorar ainda mais e melhor futuramente.

coerente com essas experiências, decidi ir mais fundo na semana passada, e assistir a um seminário de e para economistas, que tratava sobre economia e desenvolvimento, e foi promovido pelo centro de altos estudos brasil século xxi, que é um programa do centro de gestão e estudos estratégicos (cgee). o seminário brasil em perspectiva reuniu no rio de janeiro, nos dias 14 e 15 agosto de 2014, economistas do quilate de maria da conceição tavaressamuel pinheiro guimarães neto, e ricardo bielschowsky, para citar apenas alguns (para ser justo, havia também alguns poucos geógrafos, planejadores públicos, e talvez uma ou outra especialidade). estruturado em cinco mesas, o seminário abordou os seguintes temas:

• geopolítica do desenvolvimento
• construção do estado de bem estar social
• frentes estratégicas de expansão econômica
• marco macroeconômico do modelo de desenvolvimento brasileiro
• a questão urbana e o ordenamento do espaço econômico

devo dizer que, antes de mais nada, aprendi bastante com as magníficas aulas recebidas de tantos mestres. desde a abertura do evento com o economista samuel guimarães, com o seu discurso extremamente cético e quase fatalista (para dizer pouco), que ao final fez a platéia rir quando tentou explicar que sua apresentação encobria na verdade uma visão otimista de futuro! tanto ele como josé carlos braga e outros palestrantes destacaram que a herança de bretton woods (o chamado "consendo de washington") está em xeque e caminha para uma mudança significativa. o banco mundial (bm) e o fundo monetário internacional (fmi), criados a partir de bretton woods respectivamente para prover recursos para investimento em infraestrutura (bm) e para restabelecer o equilíbrio interno das economias dos países periféricos (fmi), tem hoje os seus papéis questionados com a recente proposta da criação do chamado banco dos brics. o novo banco de desenvolvimento foi criado agora em julho de 2014, durante a conferência dos brics em fortaleza. segundo os palestrantes, o grande diferencial e vantagem do banco dos brics é seu desatrelamento das condicionantes políticas que sempre caracterizaram a atuação do banco mundial e do fundo monetário internacional. embora as relações econômicas entre os países dos brics seja considerada ainda no nível das relações bilaterais (ou até tênues, como foi dito em relação às relações do brasil com a rússia e africa do sul), esta ação conjunta deverá "preservar a capacidade soberana de desenvolver as políticas internas".

clemente ganz lucio, do dieese, chamou a atenção para o déficit estrutural da qualificação da força de trabalho no brasil. segundo dados que ele citou, as pequenas e médias empresas (pme) brasileiras atingem apenas 10% da produtividade das grandes empresas, enquanto em países como a frança e alemanha as pequenas empresas atingem índices de produtividade de 50% e 60% respectivamente. além disso, cerca de 80% dos empregos gerados nas nossas pme tem faixa salarial média de 1,5 salário mínimo. define-se com isso uma verdadeira crise de produtividade vivida em nossas pequenas empresas, em que pese a nossa vivência atual de uma melhor articulação do crescimento econômico com os objetivos sociais, segundo destacou eduardo fagnani (instituto de economia da unicamp). com nosso crescimento puxado pela demanda doméstica (segundo esther dweck, citando thomas palley, 2002), vivemos no que ricardo bielschowsky identifica como a terceira fase do desenvolvimento brasileiro desde os anos cinquenta, aonde o nosso desafio maior está na indústria de transformação. 

a extrema concentração da nossa indústria foi exemplificada por rodrigo simões (ufmg e ipea) como o que ele chamou de "fordismo periférico": na década de setenta, 6 entre cada 10 produtos consumidos no brasil eram produzidos no estado de são paulo, sendo 4 destes produzidos na cidade de são paulo. simões chamou a atenção também para o abuso do modelo de arranjos produtivos locais, ou apls, dizendo que muitas vezes ocorre a montagem forçada de arranjos artificiais e ineficientes, bem pouco produtivos e sem tanta identidade local.

josé eduardo cassiolato (ufrj) tratou de alguns assuntos especialmente relevantes para designers, a começar pela comoditização da produção, citando como exemplo a produção de roupas em bangladesh e os malefícios enormes que decorrem desse processo - alimentados pela voracidade do consumo na indústria da moda de baixo custo. falou ainda das políticas de estímulo industrial, aonde o papel do estado deve se fazer presente também nas compras públicas, como um importante instrumento de desenvolvimento de setores industriais. segundo ele, estamos vivendo a emergência de um novo paradigma produtivo ancorado na sustentabilidade - o "green new deal". estimativas feitas pelo hsbc (climate for recovery - the colour os stimulus goes green, 25 february 2009) avaliam que os estímulos econômicos regionais para desenvolvimento sustentável ("green stimulus") alcançavam 430 bilhões de dólares em 2009, sendo que somente a china contribuía com 221 bilhões desse montante, e os estados unidos com 112 bilhões. toda essa disponibilidade deve ser utilizada com propriedade, evitando-se por exemplo a importação de tecnologias inadequadas (qualquer semelhança com o que o designer gui bonsiepe diz desde os anos setenta não deve ser mera coincidência!). foi mencionada como exemplo a importação de captadores eólicos para o nordeste brasileiro a um custo desnecessariamente alto, uma vez que estavam projetados para enfrentar ventos multidirecionais em rajadas e temperaturas muito baixas (padrão europeu) ao invés de considerar os ventos mais direcionados e altas temperaturas do nordeste brasileiro. não houve, segundo cassiolato, a necessaria interação entre as empresas transnacionais e os institutos de pesquisa e universidades brasileiras, nem a correta aplicação dos recursos disponíveis para cti (ciência, tecnologia & inovação), a não ser como mecanismo de suporte ao repasse de lucros para as matrizes dessas empresas. cassiolato aponta ainda os baixos recursos disponíveis para a inovação social - frente à ampla disponibilidade para indústrias de base científica e tecnológica, e até mesmo ao volume de recursos repassados às indústrias automobilísticas no país. 

enfim, são muitos temas para o design atuar e para designers debaterem e se envolverem na busca de soluções para o desenvolvimento econômico nacional, regional e local! e muitas oportunidades para dialogarmos mais com o pensamento econômico na construção de políticas públicas. certamente o design pode ser uma ferramenta efetiva e eficaz para tratar dos muitos passivos decorrentes dos desafios sociais e ambientais gerados pelo desenvolvimento econômico, agregando estratégias de enfrentamento dos problemas e da construcão coletiva de soluções sustentáveis.

obviamente não perdi a oportunidade de lembrar aos participantes do seminário que já em 1882 ruy barbosa, em discurso da inauguração do liceu de artes e ofícios no rio de janeiro, falava do enorme potencial competitivo do nosso país, além de condenar a economia baseada exclusivamente na exportacão de recursos naturais não-manufaturados e outras commodities. melhor ainda, ruy barbosa apontava a importância do design para construir um caminho de industrialização e de competitividade associada ao nosso potencial inovador e os recursos naturais disponíveis, que podem gerar produtos com alto valor agregado para exportação. 

exemplos não nos faltam, competência também não - mas talvez estejamos com muita frequência errando o alvo na nossa atuação profissional. certamente nos falta dialogar muito mais com a área da economia, assim como interagir com muito mais frequência e intensidade com o governo em todos os níveis.


(...e que me desculpem os economistas pelo excesso de simplificação, mas foi o pouco que pude absorver de tanta informação de qualidade concentrada em dois dias intensos)

ps: ao final do evento, houve a exibição do excelente documentário "um sonho intenso", seguida de debate com o diretor josé mariani, o economista ricardo bielschowsky e o jornalista luis nassif. excelente filme que eu recomendo a todos que queiram entender um pouco sobre economia no brasil do século vinte ao vinte e um. leia aqui um artigo sobre o filme e assista o trailer.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

design - produto e processo

sobre design, cultura e economia



faz alguns (poucos) anos que um segmento da economia passou a chamar muita atenção pelas suas elevadas taxas de crescimento. pesquisa divulgada em janeiro de 2014 pelo governo britânico reforça ainda mais o que vinha sendo observado anteriormente: o segmento das chamadas indústrias criativas alcançou uma taxa de crescimento superior ao setor financeiro no reino unido. as indústrias criativas britânicas faturam oito milhões de libras (mais de trinta milhões de reais) por hora, ou quase setenta e dois milhões de libras por ano, respondendo por 5,2% da economia britânica [ver link aqui]. isso certamente é algo que salta aos olhos e impressiona. diante de resultados semelhantes, governos de diversos países tem buscado incentivar este segmento tão heterodoxo entendido como "criativo" [ver site das nações unidas sobre este tema].

de acordo com a definição aceita internacionalmente, o design é uma dessas indústrias cuja performance tem sido celebrada. no brasil, o ministério da cultura passou a ter uma secretaria da economia criativa, e o design foi incorporado neste programa, além de passar a fazer parte do conselho federal de cultura.

neste contexto, ao mesmo tempo que celebramos mais uma porta que se abre para a promoção e o crescimento da atividade de design, existe uma questão a ser observada: a existência de uma secretaria de economia (ainda que criativa) no ministério da cultura. isso significa que questões ligadas à economia estão sendo tratadas sob a ótica da cultura. no entanto não há notícia do caminho oposto - das indústrias criativas serem consideradas com esta mesma importância dentro da área da economia.

no que diz respeito ao design, embora o seu produto possa ser considerado como elemento da cultura nacional, o seu processo (enquanto estratégia) deveria ser considerado no contexto da economia.

simples assim: produto => cultura; processo => economia.


deslocado desse contexto da economia, o design volta a ser tratado como arte industrial, retorna ao século dezenove. dissocia-se da indústria, da tecnologia, da inovação e da competitividade - a não ser como um insumo criativo. deixa de ter a importância que lhe é atribuída hoje como motor da inovação exatamente por estabelecer a liga indispensável entre a tecnologia, a indústria e o usuário. observe-se que esse papel estratégico não é atribuído ao design por suas qualidades criativas, ou meramente estéticas, mas antes por sua capacidade transdiciplinar de traduzir e aplicar o conhecimento proveniente de diversas fontes. no reino unido o design está sendo promovido como a ferramenta ideal de transformação do conhecimento científico desenvolvido em laboratórios de ponta em produtos e aplicativos capazes de serem industrializados e comercializados, trazendo benefícios para a sociedade como um todo ao transformar conhecimento científico em crescimento econômico [links aqui e aqui]. essa é uma função econômica antes de tudo, e não apenas "criativa". isso sem falar no design de estratégias, de serviços, do papel que as ferramentas do design tem representado na gestão das empresas.

embora alguns designers possam escolher este caminho, o design não é arte - pois ele vai muito além dos atributos estéticos do produto. nos dias atuais o papel do designer não é mais o de autor, mas de membro de uma equipe, e muitas vezes até mesmo um líder de equipe, fazendo uso de ferramentas trazidas da metodologia de projeto para gerir processos complexos. hoje o design está presente desde o momento em que se pensa o próprio negócio, em como este se comunica, e obviamente quando se planejam os produtos. desenvolver o produto é juntar os interesses, necessidades e aspirações dos usuários com as limitações da produção, distribuição e comercialização, com os materiais adequados, considerando o impacto ambiental envolvido na fabricação e no descarte, e ainda contemplar os objetivos do empresário, gerando lucro e outros benefícios.

no brasil, pela forma com que o design tem sido associado às indústrias criativas, corre-se o risco de se entender que uma vez que o design já está sendo contemplado entre as politicas culturais, não haveria necessidade de considerá-lo também entre as políticas econômicas, industriais e tecnológicas. esse é um sério risco que não podemos correr.

não se trata portanto de negar a presença do produto do design como parte do ambiente cultural do país, nem de negar a forma como o design interage com as demais indústrias criativas, mas sim de reivindicar o seu entendimento dentro do contexto da economia e das políticas industriais, de inovação, e de ciência e tecnologia - como aliás vem acontecendo em países altamente competitivos.

"it's the economy, stupid!" - foi um slogan amplamente utilizado na campanha presidencial de bill clinton em 1992. sem pretender usá-lo aqui de maneira ofensiva ou indelicada, acho que vale a sua citação como um lembrete para situarmos o design aonde este deve realmente estar.