terça-feira, 16 de março de 2010

regulamentação, ou design e o seu zé da venda

esta semana, respondendo a um post que se posicionava contra a regulamentação profissional no blog designbr, fiz uma série de considerações a respeito, complementando o que o professor freddy van camp já falara a respeito (ver links no final deste post)

bem, começando pelas comparações – em geral muito difíceis – entre países, e só para citar alguns exemplos (afinal, sempre se citam exemplos de países aonde a profissão não é regulamentada…): finlândia, estados unidos, reino unido, tem organismos reguladores da profissão estabelecidos ainda no século dezenove. conselhos nacionais e outros tipos de associações profissionais trabalharam junto aos governos e à sociedade por mais de um século nestes países, estabelecendo uma cultura de design da qual estamos, infelizmente, muito distantes. na finlândia, com uma população de pouco mais de cinco milhões de habitantes, apenas quatro associações profissionais reúnem quase cinco mil associados – isso equivaleria a termos no brasil 200 mil associados às diversas associações de classe existentes no país. e no entanto tenho motivos para acreditar que as nossas associações não chegam a somar três mil associados em todo o brasil hoje!

muitos criticam as associações existentes, e nos comentários do tal post chegou-se a falar em “fracasso” na atuação da adg. ora, eu não consigo avaliar assim uma entidade que promove um evento da magnitude da bienal de design gráfico, que tem cumprido o importante e fundamental papel de mostrar à sociedade brasileira o que é design, e o que é design de qualidade! estabelecer tal patamar é fundamental para a evolução do design no país. afinal, se esperamos que a sociedade vá consumir design de qualidade, ela precisa saber o que é design de qualidade, não é mesmo? e pelo que eu saiba, um dos maiores problemas da adg é a inadimplência – e não há associação profissional que resista a esse mal. parece que a atitude de alguns profissionais muitas vezes tem sido: não gosto de fulano ou de beltrano, não fizeram o que eu queria, então vou sair da associação, vou deixar de pagar a anuidade. as pessoas que dirigem essas entidades tem sido, historicamente, voluntários e abnegados, que conseguem fazer sobreviver as instituições com esforços heróicos e sacrifícios pessoais para promover atividades que beneficiam a todos, inclusive aos não-associados.

acho que todos concordam que não há como avançar sem algum tipo de atuação coletiva, não é mesmo? e porque tornar vilões genericamente os conselhos e apontar as associações como soluções? ambos não são formados pelos profissionais da área? será que devemos eliminar o congresso nacional ou a classe política porque nós a percebemos como dominada pela corrupção? e qual seria a opção? a tirania? o que eu tenho visto funcionar melhor em alguns países do que no brasil é a participação – fruto da cidadania, cuja percepção parece que nos falta às vezes. e não estou querendo dizer que neste ou naquele país a situação seja exemplar ou ideal, pois isso não existe, todos tem problemas e diferentes estágios de evolução no uso do design como ferramenta estratégica de desenvolvimento. mas somos nós os responsáveis por fazer as nossas representações profissionais (ou políticas) darem certo. não posso acusar uma associação profissional ou conselho pela falta de atuação, pois eu também sou responsável por ela, e se faltam ações, essa falha não é apenas de seus diretores, mas é compartilhada pelos associados.

temos que compreender que o gigantismo e a complexidade do estado brasileiro estabeleceram outros mecanismos, que passam pela excessiva regulamentação profissional, diferente de outros países. há um excesso na regulamentação de profissões. mas por isso mesmo não podemos prescindir de ter nossa profissão reconhecida e regulamentada, sob pena de termos a atuação restrita pela legislação que privilegia profissionais regulamentados e limitada pelos setores profissionais que nos tangenciam.

outro ponto: qual é a medida da contribuição do design para a economia de um país? fala-se muito disso, mas como se podem estabelecer mecanismos de avaliação efetivos? no brasil, o ministério da fazenda tem dados atualizados anualmente para os setores regulados, e pode assim dimensionar a sua evolução ao longo dos anos, apenas fazendo uso do código fiscal e da receita correspondente. e isso decorre de uma clara definição da atuação profissional através da sua regulamentação. existem outras maneiras para fazê-lo? certamente, mas ser a exceção à regra é muito mais complicado do que jogar pelas mesmas regras que se aplicam a todos os outros.

um argumento utilizado com frequência diz que a regulamentação nivelaria os preços por cima, ou tornaria os preços de um projeto de design inatingíveis para o “seu zé da venda”. acontece que no brasil ele geralmente investe muito em outras áreas para alavancar o seu negócio – seja em maquinário e outros insumos, ou na ampliação da oficina, da fábrica ou da sua “venda”, que logo se torna mercadinho, e daí a pouco supermercado. mas não sabe que o design pode estabelecer um diferencial para a marca da sua “venda”. como será o que o “seu zé da venda” fica sabendo que esse tal de design pode ajudá-lo? pela presença do design na mídia garantida por eventos da qualidade da bienal de design gráfico, pelas informações e pelo apoio do sebrae, pelo cartão do bndes que agora financia design. mas este continua sendo um problema no mundo inteiro: como ensinar a contratar design? porque contratar um mau designer estraga todo o esforço feito para mostrar ao “seu zé da venda” a importância do design para o crescimento da sua venda. no reino unido, essa é uma das preocupações do design council, que tem programas específicos sobre como contratar um designer para desenvolver o seu projeto, geralmente focados nas pequenas empresas. e essa preocupação existe também em todos os outros países aonde se pretende ordenar e valorizar o trabalho de design. eu mesmo já ouvi depoimentos de micro-empresários sobre o quanto o design contribuiu para o crescimento das suas empresas, assim como, quando tinha a minha empresa de design no rio de janeiro, já negociei formas de pagamento adequadas ao tamanho da empresa, ou até mesmo a troca de serviços – o bom e velho escambo – que está na origem do sistema econômico de trocas comerciais, antes mesmo do surgimento da moeda.

enfim, não existe outra saída: precisamos nos organizar, nos associar, reforçar muito as associações existentes – e o fórum brasil design, que reuniu já na sua criação praticamente todas as entidades associativas da área de design no brasil inteiro – e apoiar sim, a regulamentação. ela certamente trará benefícios para todos, e principalmente para o usuário de design, que terá a quem recorrer para se instruir sobre como contratar corretamente um profissional de design que possa atender às suas expectativas.


(aqui está o post no designbr que originou este texto; não deixe de ver também este texto do professor freddy van camp sobre o assunto e esta apresentação preparada para a adegraf pelo professor felipe lopes, da unb)

ps: acrescento o link para o texto do mauro pinheiro, um dos melhores que já li sobre o assunto, e bom demais para estar apenas entre os comentários...