quinta-feira, 10 de julho de 2014

design - produto e processo

sobre design, cultura e economia



faz alguns (poucos) anos que um segmento da economia passou a chamar muita atenção pelas suas elevadas taxas de crescimento. pesquisa divulgada em janeiro de 2014 pelo governo britânico reforça ainda mais o que vinha sendo observado anteriormente: o segmento das chamadas indústrias criativas alcançou uma taxa de crescimento superior ao setor financeiro no reino unido. as indústrias criativas britânicas faturam oito milhões de libras (mais de trinta milhões de reais) por hora, ou quase setenta e dois milhões de libras por ano, respondendo por 5,2% da economia britânica [ver link aqui]. isso certamente é algo que salta aos olhos e impressiona. diante de resultados semelhantes, governos de diversos países tem buscado incentivar este segmento tão heterodoxo entendido como "criativo" [ver site das nações unidas sobre este tema].

de acordo com a definição aceita internacionalmente, o design é uma dessas indústrias cuja performance tem sido celebrada. no brasil, o ministério da cultura passou a ter uma secretaria da economia criativa, e o design foi incorporado neste programa, além de passar a fazer parte do conselho federal de cultura.

neste contexto, ao mesmo tempo que celebramos mais uma porta que se abre para a promoção e o crescimento da atividade de design, existe uma questão a ser observada: a existência de uma secretaria de economia (ainda que criativa) no ministério da cultura. isso significa que questões ligadas à economia estão sendo tratadas sob a ótica da cultura. no entanto não há notícia do caminho oposto - das indústrias criativas serem consideradas com esta mesma importância dentro da área da economia.

no que diz respeito ao design, embora o seu produto possa ser considerado como elemento da cultura nacional, o seu processo (enquanto estratégia) deveria ser considerado no contexto da economia.

simples assim: produto => cultura; processo => economia.


deslocado desse contexto da economia, o design volta a ser tratado como arte industrial, retorna ao século dezenove. dissocia-se da indústria, da tecnologia, da inovação e da competitividade - a não ser como um insumo criativo. deixa de ter a importância que lhe é atribuída hoje como motor da inovação exatamente por estabelecer a liga indispensável entre a tecnologia, a indústria e o usuário. observe-se que esse papel estratégico não é atribuído ao design por suas qualidades criativas, ou meramente estéticas, mas antes por sua capacidade transdiciplinar de traduzir e aplicar o conhecimento proveniente de diversas fontes. no reino unido o design está sendo promovido como a ferramenta ideal de transformação do conhecimento científico desenvolvido em laboratórios de ponta em produtos e aplicativos capazes de serem industrializados e comercializados, trazendo benefícios para a sociedade como um todo ao transformar conhecimento científico em crescimento econômico [links aqui e aqui]. essa é uma função econômica antes de tudo, e não apenas "criativa". isso sem falar no design de estratégias, de serviços, do papel que as ferramentas do design tem representado na gestão das empresas.

embora alguns designers possam escolher este caminho, o design não é arte - pois ele vai muito além dos atributos estéticos do produto. nos dias atuais o papel do designer não é mais o de autor, mas de membro de uma equipe, e muitas vezes até mesmo um líder de equipe, fazendo uso de ferramentas trazidas da metodologia de projeto para gerir processos complexos. hoje o design está presente desde o momento em que se pensa o próprio negócio, em como este se comunica, e obviamente quando se planejam os produtos. desenvolver o produto é juntar os interesses, necessidades e aspirações dos usuários com as limitações da produção, distribuição e comercialização, com os materiais adequados, considerando o impacto ambiental envolvido na fabricação e no descarte, e ainda contemplar os objetivos do empresário, gerando lucro e outros benefícios.

no brasil, pela forma com que o design tem sido associado às indústrias criativas, corre-se o risco de se entender que uma vez que o design já está sendo contemplado entre as politicas culturais, não haveria necessidade de considerá-lo também entre as políticas econômicas, industriais e tecnológicas. esse é um sério risco que não podemos correr.

não se trata portanto de negar a presença do produto do design como parte do ambiente cultural do país, nem de negar a forma como o design interage com as demais indústrias criativas, mas sim de reivindicar o seu entendimento dentro do contexto da economia e das políticas industriais, de inovação, e de ciência e tecnologia - como aliás vem acontecendo em países altamente competitivos.

"it's the economy, stupid!" - foi um slogan amplamente utilizado na campanha presidencial de bill clinton em 1992. sem pretender usá-lo aqui de maneira ofensiva ou indelicada, acho que vale a sua citação como um lembrete para situarmos o design aonde este deve realmente estar.