foi lançado agora em outubro outro livro que teve minha participação. escrevi o prefácio para o livro design thinking & thinking design, de autoria dos meus ex-alunos ricardo abelheira e adriana melo. é uma excelente obra de referência sobre o tema, que eu recomendo para designers e não-designers.
compartilho aqui o texto que escrevi para o livro, com algumas reflexões sobre o design thinking - espero que apreciem:
a ideia do pensamento sintético do designer como sendo complementar ao pensamento analítico do cientista é algo que já vem sendo explorado desde os anos setenta. estruturada como metodologia, a maneira pelo qual o designer pensa e desenvolve projetos é objeto de estudos anteriores a isto, sendo disciplina básica para qualquer formação na área. não basta ao designer ser criativo, ou vaguear à busca de inspiração. seguir uma metodologia sempre foi a maneira dos designers driblarem as dificuldades de lidar com problemas diversos. e na medida que esses problemas se tornam mais complexos, há a necessidade de repensar também os processos para se lidar com eles.
neste contexto é que, a partir dos anos noventa, começa a ser formatado na universidade de stanford aquilo que recebeu um nome simples e objetivo: o pensamento do design(er) – design thinking. e david kelley, sócio e fundador da ideo, ajudou a transpor isso para o mundo dos negócios, aonde imediatamente alcançou enorme sucesso, numa era em que a economia se voltava para o conhecimento e para os ativos intangíveis. não sem causar desconfiança entre os designers – afinal isso não era nada além do que eles já faziam há muito tempo!
em 2011, o tema já despertava um grande interesse no mundo dos negócios e entre designers, quando um grupo de jovens em taiwan decidiu produzir o filme design & thinking (dirigido por mu-ming tsai). deste filme, entre os muitos depoimentos sobre dt, destaco as falas de três entrevistados: tim brown, sara beckman e roger martin.
tim brown, ceo da empresa de design ideo, e com a autoridade de um dos maiores autores e especialistas no assunto, confirma que o dt tão-somente aplica métodos e abordagens estabelecidas do design a um conjunto mais amplo de problemas nos negócios e na sociedade. ou seja: sim designers, é isso mesmo que vocês diziam, mas com uma roupagem dirigida à área dos negócios, que começava a se interessar pelo assunto e precisava de alguma forma se aproximar mais.
construir uma ponte (ou não) vira quase uma parábola numa aula de sara beckman, quando ela demonstra que os problemas geralmente não são tão óbvios assim quanto parecem. por quê? para quê? quais as alternativas? numa rápida sequência de perguntas e respostas sem barreiras, percebe-se que há muitas maneiras de se alcançar o que se pretende, e nem sempre a mais óbvia ou a mais imediata é a melhor. no final a ponte a que ela se refere destinava-se, como se descobre depois de muitas perguntas, apenas a levar mensagens de um a outro lado, o que poderia ser feito de diversas outras maneiras mais simples, mais rápidas, mais baratas, e mais eficientes. re-enquadrar problemas, questionar continuamente, procurar entender a questão central - e não aquela que se oferece pronta e rapidamente - é o objetivo do dt.
destaca-se ainda no filme a intervenção de roger martin, diretor da rothman school of management da universidade de toronto, que adverte sobre um dos riscos existentes na atual popularização do dt. segundo ele, o espírito do dt não sobrevive à sua redução à uma fórmula fechada, um algoritmo de processamento de inovação. o valor do design se perde quando este é reduzido à uma fórmula.
por isso, - com a desculpa pela avalanche de termos em inglês - se você fizer um mashup de mindmap + moodboard + pinboard + post it wall, ao som de all together now dos beatles (também vale forró, ou pink floyd, bach, ou um podcast com tudo isso), parabéns! você entendeu o espírito da coisa. brasileiros criaram (ou reinventaram, dizem alguns) um lugar aonde você pode comer sushi com feijoada, misturando comidas, culturas e tendências e pagando por quilo! então a gente já tem os genes para entender como fazer essa mistura.
outra questão que se poderia levantar é sobre as consequências do empoderamento do usuário promovido no co-design ou no uso do dt como ferramenta de resolução de problemas - isto transformaria potencialmente qualquer pessoa num designer?
vamos pensar juntos então: conseguir desenhar e interpretar a planta de uma casa não faz de você um arquiteto; saber cozinhar não faz de você um chefe de cozinha; saber tratar de animais não faz de você um veterinário; da mesma forma que dominar razoavelmente bem uma ferramenta de criatividade como o dt não faz de ninguém um designer! ou como diz david kelley no filme citado acima: quando você procura um médico, você quer o melhor especialista possível, e não um curioso qualquer...
em 2015, ao participar pelo segundo ano consecutivo do corpo de jurados de um concurso internacional de design (na categoria de projetos de estudantes) eu notei, em relação ao ano anterior, um crescimento do número de projetos inscritos que não passariam nem mesmo de uma primeira filtragem num processo de desenvolvimento de um novo produto. gadgets inconsequentes, uso exagerado de tecnologia embarcada em produtos que nem de longe precisariam daquilo tudo. bem, mas afinal eram trabalhos de estudantes, certo? seria somente por esta razão? o nível era elementar, e se as escolas de design estão formando designers sem essa habilidade mínima de filtragem inicial, estamos perdidos, eu pensei. para minha surpresa, observei que a grande maioria desses projetos "sem filtro" haviam sido inscritos por estudantes de cursos de gestão, e não escolas de design! ou seja, eram um "efeito colateral" do ensino massivo de dt nestas escolas...
bem, pelo menos sabemos que teremos gestores mais criativos, pensando mais "fora da caixa" - mas será que eles estão efetivamente compreendendo o que é design? designers tem uma atividade profissional demarcada - embora com áreas de sombreamento com outras profissões, exatamente por seu caráter transdisciplinar - e exercem sua atividade em equipes com diversos outros profissionais que contribuem cada um na sua especialidade para o desenvolvimento de projetos cada vez mais complexos. e esta particularidade é algo que precisa ser bem compreendido – especialmente por gestores.
se observamos um diagrama que representa o fluxo de desenvolvimento de ideias no dt, podemos perceber que, considerando um ciclo completo de desenvolvimento de produto, existem ali enormes simplificações. isso porque não se pretende, através de sessões de dt, desenvolver integralmente um projeto de produto - mas apenas gerar ideias inovadoras. numa dinâmica de dt, designers podem agir como catalisadores e como “filtros” de ideias, selecionadas a partir de um fluxo livre e contínuo. mas ao se afunilar o processo para se chegar a um produto com bom design, aí devem contribuir conhecimentos técnicos de diversos especialistas: administradores, engenheiros, especialistas em mercado, psicólogos, ou quem mais estiver envolvido na cadeia de desenvolvimento daquele tipo de produto.
em resumo: use, leia, aprenda, inspire-se, crie – mas não transforme estes conhecimentos em fórmulas prontas. não existe fórmula para criatividade. existem maneiras de provoca-la, de estimula-la, de liberar as amarras e navegar sem um destino pré-estabelecido, apenas supondo que se vai chegar a algum lugar – e que este lugar pode ser muito mais interessante do que você esperava!
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