quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

design & desenvolvimento - the radical designist




a revista acadêmica de design portuguesa the radical designist teve seu último número, de dezembro de 2015, dedicado às políticas de design. neste contexto publicou uma resenha que preparei para o livro design & desenvolvimento: 40 anos depois, que eu e meu colega josé mauro nunes organizamos, e que foi lançado pela editora blucher no final de outubro de 2015

compartilho abaixo com vocês a resenha publicada, que pode ser encontrada no seu original neste link.

porquê falar de políticas de design?
o discurso do design como ferramenta para o desenvolvimento (seja este econômico, social, ou um ideal de convergência de ambos) se estabelece no contexto do debate sobre as políticas nacionais de design. este debate, embora esteja se ampliando nesta última década especialmente a partir da europa e ásia, ainda é bastante restrito mundialmente no ambiente acadêmico, com raras publicações, pesquisas e estudos sobre o tema.
por outro lado, há décadas fala-se da necessidade do design se aproximar das instâncias públicas e dos órgão governamentais, integrando-se ao rol de ferramentas que estes dispõem para enfrentar os problemas cada vez mais complexos de gestão e de políticas públicas. autores como gui bonsiepe, john heskett, victor margolin, alpay er, brigitte borja de mozota, entre outros, chamam atenção para o tema, que na academia surgiu inicialmente na área de história do design a partir dos anos noventa, e em seguida também na área de gestão do design. nos últimos anos, o crescente interesse sobre o tema parte principalmente do entendimento do design no contexto da economia criativa – segmento da economia que vem crescendo a taxas superiores a todos os demais, frequentemente até mesmo que a área financeira. a convergência de interesses inclui organismos internacionais como a conferência das nações unidas para o comércio e desenvolvimento (unctad), o fórum econômico mundial e a comissão europeia, com o apoio de instituições profissionais como o bureau europeu de associações de design (beda) e o conselho internacional de sociedades de design industrial (icsid). conferências, novos estudos, documentos encomendados por órgãos de governo tem sido gerados em constante progressão a cada ano que passa. fala-se não mais apenas em políticas de design, mas também no design para as políticas – reconhecendo a importância de ferramentas do design para a construção de entendimento e de maior clareza na formulação de políticas públicas. para citar apenas um documento que ganhou destaque nos últimos anos, design for growth and prosperity relatório do conselho europeu de lideranças de design editado pela comissão europeia em 2012. nele diversas recomendações aos países-membros agrupam-se de forma interconectada os sistemas de inovação, educacionais, de pesquisa, empresas e setor público, com diversas diretrizes que visam promover o desenvolvimento da economia através do design.
um panorama fértil e que clama à mobilização do design – e principalmente aos designers – para ir de encontro às classes políticas e em especial à sociedade como um todo, na busca de construir um futuro em que o foco esteja no cidadão, e não apenas na economia e nas finanças.
a origem há cinquenta anos: icsid, onu, design e desenvolvimento
desde os anos sessenta estava em pauta no conselho internacional de sociedades de design industrial (icsid) a criação de um grupo de trabalho sobre países em desenvolvimento – conhecido como o icsid’s working group 4 (ou grupo de trabalho 4, aqui abreviado para gt4). em maio de 1970, o professor nathan shapira, então diretor do departamento de design da universidade de nairobi, no quenia, apresentou um “esboço de metas” para a criação do gt41, aonde ele elencava alguns fatores que justificavam a instalação desta comissão, dentre os quais:
evidências recentes de que o design industrial torna-se um fator de aceleração do crescimento numa economia em desenvolvimento, lado a lado com a gestão e a produtividade. (…) a necessidade de uma orientação competente de design (por parte) de um crescente número de países em desenvolvimento, e a falta de agências adequadas a preencher esta lacuna.”
sua experiência no continente africano, iniciada nos anos sessenta, o habilitava para coordenar o recém-criado grupo de trabalho. sob sua coordenação, o gt4 promoveu durante o sétimo congresso internacional do icsid (realizado em ibiza, 1971), dois encontros para debater estratégias de promoção do design nos países em desenvolvimento2. no primeiro destes encontros, além da participação de representantes da tailândia, india, filipinas e brasil, foi registrada também a presença de um representante da organização das nações unidas para o desenvolvimento industrial (onudi) – o engenheiro n.k. grigoriev, diretor da divisão de tecnologia industrial daquela organização. aparentemente este é o primeiro registro da interação entre o icsid e a onudi (ou unido, na sua sigla em inglês).
esta aproximação entre as duas instituições levou à uma parceria, e teve como resultados iniciais dois documentos que podem ser considerados seminais na história das políticas de design para países periféricos. o primeiro destes é um relatório produzido por gui bonsiepe em 1973, e que se intitula desenvolvimento pelo design3. o segundo documento, intitulado diretrizes básicas para políticas de design industrial em países em desenvolvimento4, foi produzido pelo secretariado da onudi em 1975, como consequência do trabalho da comissão conjunta icsid e onudi, e reflete de forma resumida o relatório apresentado por bonsiepe.
ambos os documentos são muito pouco conhecidos – até mesmo por sua classificação pela onudi como ‘restritos’5. apesar da sua abrangência6, sintetizam a ideia (expressa nos títulos dos documentos) sem se propor a prescrever uma fórmula única para a implementação de políticas de design. são por isso mesmo referências importantes, e temos a certeza que a sua divulgação poderia contribuir ainda hoje para a construção ou reestruturação de programas de design ao redor do mundo. estes documentos, cedidos especialmente pela onudi para reedição, servem como base para o livro design e desenvolvimento – 40 anos depois, organizado por gabriel patrocínio e josé mauro nunes, professores e pesquisadores da universidade do estado do rio de janeiro (lançamento em outubro de 2015 pela editora blücher, de são paulo, brasil).
o livro celebra os quarenta anos (1975-2015) passados da publicação do documento-síntese da onudi, ao mesmo tempo em que se procura trazer à tona como esta ideia – o design como uma ferramenta de desenvolvimento – tem sido abordada ao longo destas quatro décadas nos diversos países de origem dos autores e co-autores (conforme descrito a seguir). visões sobre políticas públicas, desenvolvimento industrial, estratégias, trajetórias convergentes e divergentes, design como ferramenta de consumo, de competitividade e de desenvolvimento social – um amplo panorama que não se propõe a ser completo, mas apenas dar início a um debate sobre o tema (ou reacende-lo).
uma breve descrição do conteúdo do livro:
diferentes autores foram convidados a trazer suas contribuições a partir do brasil, índia, china, turquia, e incluindo visões gerais do continente africano e da américa latina, além de um panorama sobre a europa hoje. somam-se a estes a perspectiva histórica trazida por victor margolin e os comentários de gui bonsiepe, protagonista original dos fatos que deram origem ao próprio livro.
abrindo o livro, victor margolin mapeia o contexto do design para o desenvolvimento no primeiro capítulo, seguido pelo texto clássico de alpay er (ozyegin university, istambul) sobre os padrões de desenvolvimento do design industrial nos países periféricos. a relação dialética entre o design para necessidade e o design para o desenvolvimento é o texto que se segue, de autoria de gabriel patrocinio, discutindo especialmente as atuações de victor papanek e gui bonsiepe neste panorama. gui bonsiepe responde em seguida às questões colocadas pelos organizadores do livro, em uma entrevista exclusiva aonde fala sobre a sua visão sobre aqueles documentos após quatro décadas. marcos braga e juan buitrago (universidade de são paulo, usp) trazem a discussão para o contexto da américa latina, seguidos pelo texto dos economistas robson gonçalves e roberto aragão (fundação getulio vargas, fgv, são paulo) abordando o novo desenvolvimentismo e o pensamento econômico no âmbito da cepal (comissão econômica para a américa latina, órgão ligado à onu). ravi poovaiah e ajanta sen (instituto de design industrial, iit bombaim), falam sobre a perspectiva da índia, país que recebeu a conferência de design de ahmedabad em 1979 que novamente reuniu, sob o mesmo tema do design para o desenvolvimento, o icsid e a onudi. mugendi m’rithaa, presidente do icsid, fala sobre o papel do design no continente africano em entrevista concedida aos organizadores, seguido pelos professores cai jun (universidade tsinghua, pequim) e sylvia xihui liu (politécnico de hong kong) que abordam o impressionante desenvolvimento do design na china. gisele raulik-murphy, darragh murphy e anna whicher trazem uma perspectiva europeia sobre o uso do design como ferramenta de desenvolvimento. o professor josé mauro nunes (uerj e fgv), especialista em consumo e comportamento, e a pesquisadora izabelle vieira trazem uma visão contemporânea dos impasses enfrentados pelo design frente às mudanças de mercado – em especial o consumo colaborativo. 
o livro se encerra com os dois documentos que provocaram a sua existência3 e 4, trazidos pela primeira vez ao conhecimento público após quatro décadas, e espera-se com o potencial de provocar mais do que apenas debates acadêmicos, mas principalmente reflexão e maior interação entre designers e agentes públicos.

notas:

[1] Shapira, N. (1971 A). An Outline of Goals for the Design for Developing Countries Commission of The International Council of Industrial Design Societies (sic). University of Brighton Design Archives. Ref: GB-1837-DES-ICD-6-4-5-3.
[2] Shapira, N. (1971 B). Design in Developing Countries – meetings organized by ICSID’s Working Group No. 4. University of Brighton Design Archives. Ref: GB-1837-DES-ICD-6-4-2-1
[3] BONSIEPE, G. (1973) Development through Design – A working paper prepared for UNIDO at the request of ICSID. Viena: UNIDO.
[4] UNIDO SECRETARIAT (1975) Basic Guidelines for Policy of Industrial Design in Developing Countries. Viena: UNIDO.
[5] Não foi possível levantar qualquer informação que permitisse identificar a origem da restrição à divulgação dos documentos. Apenas quanto ao primeiro, de autoria de Bonsiepe (1973), é possível especular que por se tratar de um documento interno de trabalho houve restrição à sua divulgação.
[6] O documento final (1975) está dividido em três grupos, definindo a participação do design em políticas de desenvolvimento industrial; os objetivos, requisitos e campos de atividade que devem ser considerados em programas nacionais de design; e ainda especificando possíveis componentes de programas nacionais de design de acordo com necessidades particulares.

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