sábado, 23 de abril de 2016
design: ferramenta política do século 21
o economista e teórico do design john heskett escreveu que diversas atividades "se apropriam da palavra 'design' para criar uma aura de competência, como em: 'hair design', 'nail design', ‘design floral', e até mesmo 'design funeral'. por que não 'hair engineering', ou 'arquitetura funeral'? parte da razão pela qual o design pode ser usado dessa maneira arbitrária é que ele nunca foi coeso em uma profissão unificada, como o direito, medicina ou arquitetura, onde uma licença ou qualificação similar é necessária para a prática, com os padrões estabelecidos e protegidos por instituições de auto-regulação, e uso do descritor profissional limitado para aqueles que ganharam ingresso através de procedimentos regulamentados. em vez disso, a prática do design se partiu em subdivisões cada vez maiores sem qualquer conceito abrangente ou organização, e por isso pode ser apropriada por qualquer um.” (do livro toothpicks and logos: design in everyday life, oxford university press, 2002). com esse discurso, heskett defendia a importância da regulamentação profissional dos designers (ou a certificação, dependendo do sistema legal e das práticas profissionais de cada país).
no atual cenário político e econômico, em que caberia investir em design, inovação e aumento da competitividade industrial, o que se tem visto no brasil na área do design é uma constante retração do apoio governamental. o papel estratégico desempenhado pelo design hoje na europa e na ásia – incentivado através de programas da comunidade europeia e replicados pelos seus países-membros – tem sido frequentemente desconsiderado nas esferas públicas brasileiras. até mesmo programas que alcançaram relativo sucesso foram desmobilizados, e sente-se a falta de um instrumento eficaz de gestão das políticas nacionais de design (uma espécie de ‘agência nacional do design’), como existe em diversos países aonde o design é considerado uma ferramenta estratégica imprescindível – reino unido, finlândia, coréia do sul, taiwan, para citar apenas alguns.
em 2015 tivemos mais uma edição da bienal brasileira de design, que desta vez aconteceu em florianópolis, santa catarina, atraindo as atenções do mundo para o design brasileiro. pudemos observar a mobilização e o entusiasmo com que a federação das indústrias local abraçou o evento para torná-lo viável, junto com outros importantes parceiros do governo estadual e federal – e mesmo assim, quase um ano depois, a bienal está com dificuldades de fechar as suas contas e pagar fornecedores. não posso me esquecer da experiência vivida há vinte anos num congresso mundial do icsid (conselho internacional de sociedades de design industrial) no canadá, quando a coréia do sul disputava o privilégio de sediar congresso semelhante em seul. para defender a candidatura, além do apoio (e investimento) massivo da indústria coreana, a delegação trazia dois ministros de estado. havia ali uma clara intenção política de fazer uso do design como uma ferramenta para alavancar a indústria coreana a novos patamares de inovação e competitividade, cujos resultados todos conhecemos hoje. é muito importante enfatizar este episódio: não eram funcionários graduados que haviam se deslocado de seu país para representar o governo – mas sim dois representantes do primeiro escalão do governo coreano, numa clara afirmação da importância que o presidente e seus ministros atribuíam ao design. este endosso oficial ao evento internacional fazia parte de um plano maior que tinha como objetivo alavancar economicamente o país – objetivo este plenamente alcançado. para falar de um evento mais recente, aconteceu em taipei em 2011 o congresso da international design alliance (ida), reunindo 5.000 integrantes dos conselhos internacionais de design industrial (icsid), gráfico (icograda) e de interiores (ifi). a palestra de abertura deste congresso foi feita pelo vice-presidente da república da china (taiwan). precisamos atingir no brasil este grau de entendimento e comprometimento por parte de nossos governantes. já presenciei e li declarações vindas de políticos do primeiro escalão executivo – em instâncias federais, estaduais e municipais – que comprovam existir alguma sensibilidade ao assunto, mas ainda precisamos de maior comprometimento, de mais espaço nas agendas. cabe aos designers, empresários e políticos engajados e comprometidos com esta agenda a responsabilidade de levar às diversas instâncias de governo o conhecimento sobre o papel estratégico do design, através de ações focadas nestes segmentos. um maior número de empresários também precisa ser atingido e sensibilizado. o brasil tem programas regionais que merecem destaque mundial – como as atividades do centro brasil design (antigo centro de design do paraná, situado em curitiba), que poderiam ser replicadas nacionalmente.
nesse contexto é que se encaminhou o projeto de lei de regulamentação profissional dos designers, apresentado em 2011 na câmara dos deputados pelo deputado penna. fruto de uma intensa e inédita colaboração de praticamente todas as entidades profissionais brasileiras, além de centros de design e outras instituições, o projeto culminou uma luta de mais de 40 anos – e diversas tentativas de projetos de lei anteriores – e alcançou aprovação em todas as instâncias do congresso nacional. no entanto, para enorme frustração de uma categoria profissional que se preparava para colaborar ativamente com o governo na busca de soluções para o crescimento do país, o projeto sofreu veto total da presidência da república, levando por água abaixo a luta iniciada nos anos setenta.
entendemos que o veto presidencial à regulamentação profissional dos designers tem graves implicações, ao demonstrar que:
• a presidência está efetivamente desconectada do congresso e reage negativamente a um projeto que foi aprovado com expressividade nas duas casas; além disso está igualmente desconectada da sociedade civil, que se expressou através de todas as instituições profissionais (e diversas outras) ligadas ao design no país, e que sequer foram recebidas, consultadas ou consideradas sobre assunto desta importância;
• este governo (apesar de algumas ações promovidas através do mdic) demonstra não considerar o design como um importante fator de inovação e desenvolvimento, ao contrário do grande número de países que vêm fazendo uso desta ferramenta do século 21 (o design sequer é citado uma única vez no documento estratégia nacional de ct&i 2012-2015, que estabeleceu princípios para assentar as políticas nacionais de inovação);
• talvez um dos pontos mais sérios, pelo descrédito que lança sobre o ensino do design, regulamentado há décadas no país, e que tem hoje em dia 1511 cursos (entre bacharelados, sequenciais, licenciaturas e tecnológicos), 23 mestrados, 10 doutorados e mais de 50 anos de tradição. o veto significa que estes cursos de design não merecem, deste governo, crédito pela relevante formação que oferecem, e traz enorme desestímulo aos estudantes – afinal, para que investir tanto tempo numa formação profissional que não será depois reconhecida?
com o veto, o governo federal deixa claro que entende que qualquer um pode ser designer, bastando para isso demonstrar ‘habilidade’ e não formação técnica. eis a confusão: o fato do design ser transdisciplinar, valendo-se de estratégias como co-criação e design thinking, que envolvem usuário e outros profissionais, não significa que tudo é design nem que todo mundo é (ou pode ser) designer. significa que o design pode (e deve) agregar indivíduos com diferentes especialidades num processo projetual - e este processo é coordenado geralmente (mas não exclusivamente) por um designer, com formação específica para isso. nisso este profissional se distingue dos outros – e para isso estudou vários anos.
curiosamente, na mesma semana que foi vetada a regulamentação profissional dos designers, foi aprovada a regulamentação dos artesãos. afinal, que recado é esse que está sendo passado para a sociedade – e mais especificamente para a nossa indústria? precisamos responder aos desafios complexos do século 21 com ferramentas do século 21 – e o design é inegável e reconhecidamente uma das principais ferramentas de que dispomos para isso.
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este artigo foi originalmente publicado na revista pensar verde, da fundação verde herbert daniel, n.16, ano 4, março/abril/maio de 2016
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